TEXTO ORIGINAL
1 Cumque iaceret ibi beatus Franciscus usque ad quinquaginta dies et plus, non potuit lumen diei videre de die nec de nocte lumen ignis, sed semper in domo et in cellula illa manebat in obscuro;
2 insuper et magnos dolores in oculis die noctuque habebat, ita quod de nocte quiescere et dormire fere non poterat: quod erat valde contrarium et magnum gravamen infirmitati oculorum et aliis eius infirmitatibus.
3 Immo etiam si aliquando vellet quiescere et dormire, tot mures erant in domo et in cellula ubi iacebat, que erat facta ex storiis ex una parte illius domus, euntes [et] discurrentes supra ipsum et in circuitu eius, quod non sinebant ipsum dormire.
4 Immo tempore orationis valde impediebant ipsum;
5 et non solum de nocte, sed etiam de die nimis tribulabant ipsum, ita ut, etiam quando comederet, ascenderent super mensam eius ita ut socii eius et ipsemet considerarent quod esset temptatio diabolica, sicut et fuit.
6 Unde quadam nocte considerans beatus Franciscus quod tot tribulationes haberet, pietate motus est erga semetipsum et intra se dixit: “Domine, in auxilium me respice (cfr. Ps 70,12) super infirmitates meas, ut patienter valeam tolerare”.
7 Et subito in spiritu dictum est illi: “Dicas michi, frater: si quis pro hiis tuis infirmitatibus et tribulationibus tam magnum et pretiosum thesaurum tibi daret, quod si tota terra esset purum aurum, omnes lapides essent lapides pretiosi, et aqua tota esset balsamum,
8 tamen tu pro nichilo hec omnia reputares et haberes, ac si essent materiales: terra, lapides et aqua, in comparatione (cfr. Sap 7,9; Ps 18,11) magni et pretiosi thesauri qui tibi darentur.
9 Nonne multum gauderes?”.
10 Et respondit beatus Franciscus: “Magnus esset, Domine, thesaurus iste et investigabilis, pretiosus valde et nimis amabilis et desiderabilis (cfr. Ps 18,11)”.
11 Et ait illi: “Ergo, frater, iocundare et jubila satis in tuis infirmitatibus et tribulationibus, quoniam de cetero ita secure te habeas ac si iam esses in regno meo”.
12 Et surgens mane dixit sociis suis: “Si imperator alicui suo servo integrum regnum daret, nonne multum deberet gaudere? Sed si totum imperium, nonne multo magis gauderet?”.
13 Et ait illis: “Ergo me oportet multum gaudere amodo infirmitatibus meis (cfr. 2Cor 12,10) et tribulationibus et in Domino confortari (cfr. Eph 6,10) et gratias semper agere Deo Patri et unico Filio eius Domino nostro Iesu Christo (cfr. Eph 5,20) et Spiritui Sancto de tanta michi facta gratia et benedictione, quod scilicet viventem adhuc in carne, per misericordiam suam de regno me servulum suum indignum dignatus est certificare.
14 Unde volo ad laudem eius et ad nostram consolationem et ad hedificationem proximi facere nova[m] Laudem Domini de suis creaturis, quibus cotidie utimur et sine quibus vivere non possumus,
15 et in quibus humanum genus multum offendit Creatorem, et cotidie sumus ingrati tante gratie, quia inde nostrum Creatorem et datorem omnium bonorum sicut deberemus non laudamus”.
16 Et sedens cepit meditari et postea dicere: “Altissimo, omnipotente, bon Segnore”.
17 Et fecit cantum in ipsis et docuit socios suos ut dicerent.
18 Nam spiritus eius erat tunc in tanta dulcedine et consolatione, quod volebat mittere pro fratre Pacifico, qui in seculo vocabatur rex versuum et fuit valde curialis doctor cantorum, et dare sibi aliquos fratres bonos et spirituales, ut irent per mundum predicando et laudando Deum.
19 Nam volebat et dicebat, quod prius aliquis illorum predicaret populo, qui sciret predicare, et post predicationem cantarent Laudes Domini tamquam ioculatores Domini.
20 Finitis Laudibus, volehat ut predicator populo diceret: “Nos sumus ioculatores Domini et in hiis volumus a vobis remunerari, scilicet ut stetis in vera penitentia”.
21 Et dicebat: “Quid enim sunt servi Dei nisi quodammodo quidam ioculatores eius, qui corda hominum movere debent et erigere ad letitiam spiritualem?”.
22 Et specialiter de fratribus Minoribus dicebat, qui populo pro ipsius salvatione dati fuerunt.
23 Nam Laudes Domini quas fecit, videlicet: Altissimo, omnipotente, bon Segnore, imponens illis vocavit nomen Canticum fratris Solis, qui est pulchrior omnibus aliis creaturis et magis Deo assimilari potest.
24 Unde dicebat: “In mane cum oritur sol, omnis homo deberet laudare Deum qui creavit ipsum, quia per ipsum oculi de die illuminantur;
25 in sero cum fit nox, omnis homo deberet laudare Deum propter aliam creaturam fratrem ignem, quia per ipsum oculi nostri de nocte illuminantur”.
26 Et ait: “Omnes sumus quasi ceci, et Dominus per istas duas creaturas illuminat oculos nostros;
27 propter quod de hiis et aliis creaturis suis quibus cotidie utimur, specialiter ipsum gloriosum Creatorem semper laudare debemus”.
28 Quod in sua sanitate et infirmitate libenter fecit et faciebat, et alios libenter commonuit ad laudandum Dominum.
29 Immo cum gravabatur infirmitate, ipsemet incipiebat dicere Laudes Domini, et postea faciebat cantare socios suos, ut in consideratione laudis Domini oblivisci posset dolorum et infirmitatum acerbitatem.
30 Et sic fecit usque ad diem mortis sue.
TEXTO TRADUZIDO
43. Nasce o Cântico das Criaturas
1 Como o bem-aventurado Francisco tivesse ficado deitado nesse lugar por uns cinqüenta dias ou mais, não podia ver a luz do dia nem a luz do fogo de noite, mas ficava sempre dentro da casa e permanecia no escuro naquela pequena cela.
2 Além disso também tinha grandes dores nos olhos de dia e de noite, de modo que quase não podia dormir e descansar à noite: isso fazia muito mal e fazia agravar-se muito a doença dos olhos e as outras doenças.
3 Além disso, se às vezes queria descansar e dormir, havia na casa e na celazinha em que estava deitado, que era feita de esteiras em uma parte da casa, tantos ratos passando e correndo por cima e ao redor dele, que não o deixavam dormir.
4 Mesmo no tempo da oração muito o impediam.
5 E não só de noite mas também de dia atribulavam-no demais, de modo que, até quando comia, subiam na sua mesa de maneira que seus companheiros acharam que era uma tentação diabólica, e assim foi.
6 Por isso, uma noite, pensando o bem-aventurado Francisco que estava tendo tantas tribulações, ficou com pena de si mesmo e disse lá dentro de si: “Senhor, olha para me socorrer, em minhas enfermidades, para que eu possa tolerar com paciência”.
7 E, de repente, foi-lhe dito em espírito: “Dize-me, irmão: se alguém, por essas tuas enfermidades e tribulações te desse um tesouro tão grande e precioso que, se toda a terra fosse puro ouro, todas as pedras fossem pedras preciosas, e toda a água fosse bálsamo,
8 todavia tu reputarias e terias por nada tudo isso, por serem matérias: terra, pedras e água, em comparação com o grande e precioso tesouro que te será dado.
9 Não te alegrarias muito?
10 O bem-aventurado Francisco respondeu: “Senhor, esse tesouro seria grande e impossível de investigar até o fim, muito precioso e por demais amável e desejável”.
11 E lhe disse: “Então, irmão, alegra-te e te rejubila bastante em tuas enfermidades e tribulações, porque de resto podes estar tão seguro como se já estivesses no meu reino”.
12 Ao acordar de manhã, disse aos seus companheiros: “Se um imperador desse um reino inteiro a um seu servo, ele não deveria alegrar-se muito? E se desse todo o império, não se alegraria ainda mais?
13 E lhes disse: “Por isso eu tenho que me alegrar agora com minhas doenças e tribulações e me confortar no Senhor, e sempre dar graças a deus pai e a seu único Filho nosso Senhor Jesus Cristo, e ao Espírito Santo, por tamanha graça e bênção que me deram, porque, vivendo ainda na carne, por sua misericórdia dignou-se dar-me a certeza do reino, a mim, seu servozinho indigno.
14 Por isso eu quero, para o seu louvor e para nossa consolação e edificação do próximo, fazer um novo Louvor do Senhor por suas criaturas, das quais nos servimos todos os dias e sem as quais não podemos viver.
15 E nas quais o gênero humano ofende muito o Criador, e todos os dias somos ingratos por tão grande graça, porque não louvamos como devemos o nosso Criador e doador de todos os bens”.
16 E sentando-se começou a meditar e depois a dizer: “Altíssimo, onipotente, bom Senhor”.
17 E compôs um cântico nessas palavras e ensinou seus companheiros a cantá-lo.
18 Pois seu espírito estava, então, em tamanha doçura e consolação, que queria mandar buscar Frei Pacífico, que no século era chamado rei dos versos e foi um mestre mjuito cortês de cânticos, e dar-lhe alguns frades bons e espirituais, para que fossem pelo mundo pregando e louvando a Deus.
19 Pois queria e dizia que, primeiro, algum deles, que soubesse pregar, pregasse ao povo, e depois da pregação cantassem os Louvores do Senhor como jograis de deus.
20 Terminados os Louvores, queria que o pregador dissesse ao povo: “Nós somos os jograis do Senhor e nisto queremos a vossa remuneração, isto é, que estejais na verdadeira penitência”.
21 E dizia: “Que são os servos de Deus senão, de algum modo, uns jograis seus, que devem mover o coração dos homens e levanta-los para a alegria espiritual?”.
22 E especialmente dos frades menores dizia que foram dados ao povo para sua salvação.
23 Pois os Louvores do Senhor que vez, a saber: Altíssimo, onipotente, bom Senhor, deu-lhes o nome de Cântico de Frei Sol, que a é a mais bonita de todas as criaturas e mais pode a Deus se assemelhar.
24 Por isso, dizia: “De manhã, quando nasce o sol, toda pessoa deveria louvar a Deus que o criou, porque por ele os olhos se iluminam de dia;
25 de tarde, quando cai a noite, toda pessoa deveria louvar a Deus pela outra criatura, o irmão fogo, porque por ele nossos olhos se iluminam de noite”.
26 E disse: “Nós todos somos como que cegos, e o Senhor ilumina nossos olhos por essas duas criaturas.
27 Por isso sempre devemos louvar o glorioso Criador por essas e outras criaturas suas de que usamos todos os dias”.
28 Porque em sua saúde e enfermidade fez e fazia de boa vontade louvar o Senhor e também animava os outros a isso.
29 Mesmo quando estava sofrendo pela doença, começava ele mesmo a dizer os Louvores do Senhor, e depois fazia que seus companheiros cantassem para que, em consideração do louvor do Senhor, pudesse ser esquecida a atrocidade das dores e doenças.
30 E assim fez até o dia de sua morte.