Página de Estudos das Fontes Pesquisadas

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  • Inocêncio IV

1. In divini timoris (1243)

Nesta bula, Inocêncio IV responde, no dia 13 de novembro de 1243, a uma carta que Santa Inês de Praga tinha escrito a respeito da Regra. Como tinha acontecido por ocasião da Carta Angelis gaudium, de Gregório IX, Inês devia estar preocupada com a necessidade de uma Regra franciscana, em que estivessem presentes a Pobreza e a Fraternidade, o que Clara sempre desejara. 
A Santa (não temos sua carta) parece ter recorrido ao argumento de que as Irmãs tinham que observar sob obediência a Regra de São Bento, como tinha sido determinado, mas que, ao mesmo tempo, sentiam-se obrigadas a viver a proposta de São Francisco. Por isso, dizia que ela e suas Irmãs tinham medo de estar cometendo um pecado grave não obedecendo a Regra beneditina. Pedia que também incluísse oficialmente na Regra as concessões já feitas por Gregório IX. 
Na sua visão jurídica, o Papa, apoiando-se também na autoridade do Protetor, que era, então, o Cardeal Reinaldo de Segni, futuro Alexandre IV, tira todas as esperanças de Inês (provavelmente também de Clara) dizendo que elas tinham que deixar as coisas como estavam. Diz que observar a Regra de São Bento por obediência era apenas uma fórmula para protegê-las, mas não tinham que fazer isso. E que as dispensas feitas por Gregório IX estavam garantidas. Mas insiste em que ela e as Irmãs tem que ser obedientes e deixar de ter dúvidas. 
Inocêncio IV foi obrigado a voltar a esse tema com as Irmãs da Ordem de São Damião em outras vezes. 
Tudo isto nos faz recordar a carta Angelis gaudium, de Gregório IX e a outra carta que Inês deve ter escrito, com o mesmo resultado. É um testemunho da insistência das clarissas por ter uma Regra franciscana. Quatro anos depois, ao apresentar sua Regra, Inocêncio IV haveria de insistir em sua visão, dizendo que podiam professar a Regra de São Francisco, mas tinham que observar a que ele estava apresentando. 
O texto latino deste documento foi tirado dos Annales Minorum, de Lucas Wadding, ano 1243, n. 28, e do Regesto do Vaticano, carta 233. Mas também está no BF I, pág. 315, n. 17.

TEXTO ORIGINAL

1. In divini timoris (1243)

Reverendissimae in Christo filiae Agneti Sorori Monasterii Sancti Francisci Pragensis... Salutem, et Apostolicam Benedictionem. 
1 In divini timore nominis, et amore Dei sollicita saepe tremula redderis; ne a te, vel Monasterii tui Sororibus aliquid contingat fieri, quod Divinae displiceat voluntati. Hinc est, quod cum universis Ordinis tui Sororibus, sicut accepimus, in virtute obedientiae a Sede Apostolica sit injunctum, ut traditam eis regularis vitae formulam inviolabilirer observare studeant; et ipsa in Monasterio tuo inviolabiliter observetur; tu super eo, quod in proaemio ipsius formulae Apostolicis litteris infertae dicitur: Regulam Beati Benedicti vobis tradimus observandam: una cum Sororibus tuis in timore poneris, et anxietate gravaris; praesertim cum mortale credis committi peccatum, si contra praeceptum hujusmodi aliquando veniatur; et impertinens, ac impossibile reputetur, quod in Ordine tuo duae Regulae debeant observari. 
2 Quare supplicatione humili petivisti, ut duo verba praemissa, quae de virtute obedientiae et Regula Beati Benedicti dicuntur, amoveri de ipsa Formula; et quaedam de novo, ac illa etiam faceremus in ipsa conscribi, quae dicto Monasterio a piae memoriae Gregorio Papa praedecessore nostro specialiter sunt indulta. Nos quidem ad rationis consilium recurrentes ex diversis causis expedire non vidimus quod id facere deberemus. 
3 Primo, quia praedictam Formulam studio compositam vigilanti, et per Sedem Apostolicam confirmatam dilectae in Christo filiae Abbatissae, et Sorores Monasterii Sancti Damiani de Assisio, ac omnes aliae tui Ordinis solemniter sunt professae. 
4 Secundo, quia ipsae illam a professionis suae tempore usque nunc laudabiliter observaverint. 
5 Tertio, quia cum sit ipsa statutum, ut ubique ab omnibus eamdem profitentibus uniformiter observetur; ex praesumptione contrarii grave posset ac importabile scandalum exoriri; praesertim quia ceterae Sorores praefati Ordinis, dum Regulae seriem sic violatam vel alteratam attenderent, turbatis mentibus in ipsius observantia, quod avertat Dominus, titubarent. 
6 Tuae itaque devotionis plenitudinem affectione paterna rogamus in remissionem tibi peccatorum injungentes, quatenus de Salvatoris nostri dulcedine, ac benignitate confidens, cui nihil gratius mente humili, nihil acceptius voluntate potest offerri, praefatam Formulam pro libro vitae habeas; et ipsam reverenter, ac diligenter observes, eamque a tuis Sororibus observari procures cum illius tamen temperamento rigoris, de quo idem Praedecessor noster et Nos super quibusdam ipsius formulae articulis ex Apostolicae providimus plenitudine potestatis: 
7 nec te ac Sorores easdem illud exterreat, quod de virtute obedientiae; ac observantia Beati Benedicti Regula in eadem formula continetur; cum pro eo, quod Sororum universitas suos ab illicitis restringat affectus, et religiosae vitae studio fortius astringatur, praeceptum obedientiae in illa positum fuerit; et adjectum de Beati Benedicti Regula, ut per ipsam quasi praecipuam de Regulis approbatis, vestra Religio authentica redderetur. 
8 Nulla tamen propter hoc necessitate inducta, ut ipsam teneamini observare: sicut ex eo clare probatur, quod memoratus Praedecessor noster praesente et audiente Venerabili Fratre nostro... Ostiensi Episcopo declaravit, quod Regula ipsa Sorores sui Ordinis non ligat ad aliud nisi ad obedientiam, abdicationem proprii, ac perpetuam castitatem, quae sub alia cujuslibet Religionis existunt; et in quibus consistit meritum consequendi perpetuae felicitatis effectum.
9 Tu itaque, Columba pacifica, tu filia virtuosa quiescas; et da finem mentis tuae fluctibus; ut ne similia postulandi de cetero resumas affectum; cum tibi ac eisdem Sororibus ad merendum praemia perennis vitae suscipiat, quod solam saepe dictam Formulam cum Apostolicae dispensationis remediis ad Dei gloriam mundis cordibus observetis ; provisurae vobis per humilis consessionis auxililum, si quando aliud ex fragilitatis humanae defectu ab aliqua vestrum agitur, quam in eadem Formula, vel factis circa vos Apostolicae Sedis provisionibus habeatur. 
Datum Laterani Idibus Novembris Pontificatus Nostri Anno Primo.

TEXTO TRADUZIDO

1. In divini timoris (1243)

À reverendíssima filha em Cristo, Inês, Irmã do mosteiro de São Francisco em Praga... Saudação e Bênção Apostólica. 
1 Solícita no temor do nome divino e no amor de Deus, muitas vezes estremeces com medo de que tu ou as Irmãs do teu Mosteiro possam fazer alguma coisa que desagrade à vontade de Deus. É porque foi imposto pela Sé Apostólica em virtude da obediência, a ti e a todas as Irmãs de tua Ordem – como entendemos – que procurem observar inviolavelmente a fórmula de vida regular que lhes foi dada; e que ela seja observada inviolavelmente em teu mosteiro. Sobre o que se diz no proêmio da referida fórmula apresentada na Carta Apostólica: Nós vos damos a observar a Regra de São Bento, tu com tuas Irmãs temeis e sentis o peso da ansiedade; principalmente porque credes que estais cometendo pecado mortal se de algum modo se chegar alguma vez a agir contra tal preceito. E porque parece impertinente ou impossível que em tua Ordem devam ser observadas duas Regras. 
2 Foi por isso que pediste, numa súplica humilde, que sejam removidas da Fórmula os dois trechos que falam de “em virtude da obediência” e da “Regra de São Bento”, e que façamos escrever algumas coisas novas e também o que foi concedido especialmente pelo Papa Gregório, nosso predecessor de piedosa memória. Mas nós, buscando o conselho da razão, julgamos, por diversas razões, que não devemos fazer isso. 
3 Em primeiro lugar, porque as queridas filhas em Cristo, Abadessas e Irmãs do mosteiro de São Damião de Assis e todas as outras de tua Ordem professaram solenemente a referida Fórmula, redigida com vigilante atenção e confirmada pela Sé Apostólica. 
4 Em segundo lugar, porque elas a observaram com louvor desde o tempo de sua profissão até agora. 
5 Em terceiro lugar, como foi estabelecido que ela seja uniformemente observada em toda parte e por todas, poderia surgir um grave e insuportável escândalo se alguém presumisse fazer o contrário; principalmente porque as outras Irmãs, da referida Ordem, vendo o conjunto da Regra assim violado ou alterado, com a mente perturbada – que Deus o impeça! – ficassem titubeando em sua observância. 
6 Por isso rogamos com afeto paterno à plenitude de tua devoção, impondo-te para remissão dos pecados que, confiando na doçura e bondade de nosso Salvador, para quem não se pode oferecer nada mais agradável do que uma mente humilde, nada mais aceito do que a vontade, tenhas a referida fórmula como teu livro da vida; e a observes reverente e diligentemente, fazendo com que seja observada por tuas Irmãs, mas com o tempero de seu rigor, que nosso predecessor e Nós providenciamos com a plenitude do poder apostólico em alguns artigos da mesma fórmula. 
7 E também não vos assusteis porque na mesma fórmula está contida a observância da Regra de São Bento “em virtude da obediência”, pois o preceito da obediência foi nela colocado para que a totalidade das Irmãs restrinja seus afetos pelas coisas ilícitas e seja o esforço da vida religiosa mais fortemente apertado. E o acréscimo da Regra de São Bento foi colocado para que vossa Religião torne-se autêntica por ela, uma das mais importantes das Regras aprovadas. 
8 Mas, sem que tenhais nenhuma necessidade de observá-la, como se vê claramente pelo fato de nosso predecessor, estando o nosso Venerável irmão ... Bispo de Óstia presente e a escutar, declarou que essa Regra não obriga as Irmãs de sua Ordem a nenhuma outra coisa senão à obediência, à renúncia do que é próprio e à perpétua castidade, coisas que existem em todas as outras Religiões, e nessas coisas está o mérito de conseguir o efeito da felicidade perpétua. 
9 Por isso tu, pomba de paz, tu, filha dileta, acalma-te. Faze pararem as vagas de tua mente para que não voltes a ter vontade de pedir outra vez essas coisas, pois, para que tu e tuas Irmãs mereçam os prêmios da vida eterna basta que para a glória de Deus, observeis com os corações limpos a fórmula de que tanto falamos com os remédios da dispensa apostólica. Para vós serão providenciadas com a ajuda de humilde concessão se alguma vez, por defeito da fragilidade humana, for feita por alguma de vós alguma coisa diferente do que está na referida Fórmula, ou nas provisões feitas a vosso respeito pela Sé Apostólica. 
Dado em Latrão, nos Idos de novembro, no primeiro ano de nosso pontificado.