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TEXTO ORIGINAL

Notificação da Morte

1 Universis Sororibus de Ordine Sancti Damiani per orbem constitutis Sorores degentes Assisii in salutis Auctore salutem. 
2 Lugubris exsurgente maeroris aculeo, non sine fletibus seriem maestae relationis aggredimur, questibus non absque luctisonis funesti rumoris prorumpimus ad narratus, quod ma-tutini sideris speculum cuius in specie verae lucis imaginem mirabamur, visibus a nostris evanuit, baculus religionis interiit, professionis nostrae vehiculum, pro dolor!, humanae stadium peregrinationis exivit, dum domina nostra Clara, dux, mater venerabilis et magistra, per disiunctivum carnalis copulae paranynphum, scilicet mortis interitum, evocata, Sponsi siderei nuper ad thalamum evolavit. 
3 Volatus cuius festus et celeber de terrenis habitus ad superna, ab umbra caliginis ad corusca, licet spiritualiter sug[g]erat sensibus gaudia, temporaliter tamen lumina luctus alluvione confundit; dumque mundanae voluptatis a lubrico gressu eripuit, salutis direxit in semitam, heu! nostros de-reliquit aspectus. 
4 Nam promerentibus forsan imperfectionis nostrae reatibus, placuit Domino potius soliis Claram claruisse caelestibus gloriosam, quam sororibus gratiosam ulterius terrenis sedibus insedisse. 
5 Vere namque meruerat, si suae perfectionis merita revolvamus, quibus in dominicae contemplationis vigilia teneris ab annis emoruit, iam praemia retributionis emerita, quae sic almis in cultibus vota devotionis effuderat, sic Christi sponsalibus, veneris procum abominans, lilium virginei pudoris evoverat, sic se sibi dilectionis in anulo connubialiter subarrarat, quod decoris forma conspicua, copiis opulenta divitibus, natalibus edita generosis, cum annum nubilem attigisset, induit habitum pro connubiali purpura pauperem, pro nuptiali funereum, pro balteo maritali funiculo se succinxit. 
6 O quem sollemne coniugium, o quem fecunda virginitas, quae tactibus impolluta venereis, sic numerosam se solvit in sobolem sic abundam! 
7 O germinis admiranda fecunditas, quae cuiuspiam corruptionis ignara, non sine spiraminis aspiratione divini, prolem innumeram propagavit! 
8 Attendite, pro stupor!, o sorores, attendite quantis illustrata virtutibus feminea sensualitas splenduit, quantae fortitudinis vigore refulserit, quae mundanae lubricitatis passibus exsuperavit obscena, quae diutini spiculo sauciata languoris, iam postremae demorsa teneritudine senectutis, non more languentis querulos erupit ad gemitus, non vis aperuit ostium ad querelas; 
9 immo quanto vehementius calcaribus aegritudinis pungebatur, tanto devotius Domino laudis canticum offerebat. 
10 Quonam fuit cingulo sobrietatis accincta, quonam igniculo caritatis accensa, quae modestiae manibus ita vela subduxerat flatibus iracundis, quod otia mentis ironici turbinis impetus non pervertit. 
11 Quae, circa divinitatis amplexum pectora nostra corroborans, continuae consolationis antidoto socialiter refovebat! 12 Cum advertebat interdum carere vestibus inopes, esu famelicas, potibus sitibundas, benignae suggestionis hortamine succurrebat in medium, inquiens: 13 “Sustinete comiter, sustinete paupertatis onera patienter, sarcinam egestatis humiliter, patientia quarum proveniens ob deitatis obtutus, patientibus pariet paradisi delicias, mercedis aeternae divitias comparabit”. 
14 Quid ultra progredimur? Beatitudinis huius profunditas nequit humanis affatibus explicari. 
15 Sed audite munus quale divinitus circa suae depositionis extrema suscepit, quod cum venerabili fratrum collegio visitavit Christi Vicarius obeuntem, et quod gratiosius exstitit, postmodum, funus defunctae non deserens, corpus exsequaliter honoravit. 
16 Cuius in obitu, quamquam violentus carnaliter torqueat viscera nostra dolor, divinae tamen collaudationis ad gloriam, hilaritatis ad palmitem mentis dexteram extendamus, 17 quod ut mortalis intellectus intelligat iucunditatis cum quantae tripudio militiae caelestis exercitus, sanctis spiritibus obviat et Creatoris conspectibus repraesentat sui reverendi corporis machina Conditoris onerante potentia. Miraculorum pluralitatibus circumfulgens...

TEXTO TRADUZIDO

Notificação da Morte

1 As Irmãs que moram em Assis saúdam no Autor da Salvação todas as Irmãs da Ordem de São Damião que estão estabelecidas pelo mundo. 
2 Feridas pelo aguilhão de uma lúgubre tristeza, queremos contar-lhes, em pranto, a história do caso doloroso e lhes referiremos, não sem sofridos lamentos, a funesta notícia: o espelho da estrela da manhã, em cujo esplendor nós admirávamos o reflexo da luz verdadeira, desapareceu de nossa visão. Pereceu o báculo de nossa religião. A portadora de nossa profissão, que horror! deixou o estádio da peregrinação humana, quando Clara, nossa senhora, guia, mãe venerável e mestra, chamada pelo mensageiro que desagrega a união da carne, voou para o tálamo do Esposo celestial. 
3 Esse vôo festivo, triunfal passagem das coisas terrenas para as supernas, da sombra da escuridão para o brilho, embora encha espiritualmente nossos sentidos de gozo, temporalmente confunde nossos olhos em um aluvião de prantos. Pois, apesar de tê-la arrancado do caminho escorregadio do prazer humano, colocando-a na senda da salvação, ai! abandonou a nossa presença. 
4 Talvez pelas culpas da nossa imperfeição, o Senhor achou melhor que Clara fosse clarear gloriosa as mansões celestes em vez de continuar morando, graciosa para as irmãs, nas habitações da terra. 
5 E ela de fato mereceu, se lembrarmos os méritos de sua perfeição, pelos quais floresceu na vigilante contemplação do Senhor nos mais verdes anos. Ela, que manifestara os votos de sua devoção em tão ingênuos cultos; ela, que de tal forma havia consagrado o lírio do pudor virginal para os esponsais com Cristo, abominando os prazeres terrenos; ela, que de tal modo se havia comprometido nupcialmente com o anel da afeição que, notavelmente bonita, opulenta em muitas riquezas, nascida em uma casa abastada, quando chegou à idade núbil vestiu um hábito pobre em vez da púrpura do casamento, uma mortalha em vez de um vestido de noiva, e em vez de um cinturão de esposa cingiu uma corda. 
6 Que casamento solene, que fecunda virgindade, pois, limpa de todo contato carnal, veio a ter tão abundante e numerosa descendência! 
7 Admirável fecundidade de um germe que, sem conhecer corrupção alguma, propagou uma prole incontável, contando com o sopro da inspiração divina! 
8 Considerai, irmãs, que espanto! Considerai como resplandeceu a sensibilidade feminina ilustrada por tantas virtudes! Como brilhou pelo vigor da fortaleza aquela que superou intacta os passos da lubricidade mundana, aquela que, ferida pelo aguilhão de prolongada enfermidade, já mordida pela fraqueza da idade avançada, não se entregou aos gemidos queixosos como fazem os sofredores, não abriu a boca para reclamar. 
Até mais: quanto mais fortemente atingida pelo calcanhar da doença, com tanto maior devoção oferecia ao Senhor seu cântico de louvor. 10 Com que cíngulo de sobriedade estaria cingida, com que chama de amor estaria acesa aquela que, de tal modo arrancara suas velas dos ventos furiosos com as mãos da modéstia que não foi perturbada na tranqüilidade da alma pela força do turbilhão irônico!11 Ela que, confortando nosso peito para o abraço da divindade, nos reanimava amavelmente com o antídoto de uma consolação contínua.12 E quando percebia, às vezes, que algumas precisavam de roupas, outras tinham fome ou sofriam de sede, socorria exortando com esta bondosa sugestão: 13 "Suporta i com gentileza, levai com paciência o peso da pobreza e com humildade a carga da carência, porque a paciência que provém do obséquio à divindade levará as que a praticam às delícias do paraíso e lhes conquistará o tesouro da recompensa eterna".14 Para que continuar? A profundidade de tamanha bem-aventurança não pode ser explicada com palavras humanas. 15 Mas ouvi com que presente ela foi agraciada nos seus últimos momentos: O Vigário de Cristo visitou-a agonizante com o venerável colégio de seus irmãos e, o que ainda foi mais grato, ficou para os funerais da falecida e honrou seu corpo com as exéquias.16 Em sua morte, ainda que uma dor violenta nos torture carnalmente as entranhas, estendamos a destra do espírito para a palma da alegria, para a glória do louvor divino. 17 Para que nossa mortal inteligência compreenda com que danças de felicidade das milícias do exército celeste ela vai caminhando ao encontro dos santos espíritos e apresenta ante os olhos do Criador a armação do seu venerável corpo que, pelo poder do Autor, resplandece com o fulgor de milagres sem conta...