23). A aceitação de pessoas inúteis
A segunda culpa de Frei Elias foi que recebeu na Ordem muitas pessoas inúteis. Morei no convento de Sena dois anos e havia aí vinte e cinco irmãos leigos; estive quatro anos em Pisa, e havia bem uns trinta. Mas pode ser que o Senhor tenha querido isso por muitas razões.
Antes de tudo porque, quando se edificam palácios, igrejas, ou outras casas, colocam-se no alicerça pedras irregulares; mas quando os alicerces saem fora da terra, usam-se pedras talhadas e bonitas para dar esplendor ao edifício. Combina bem com a Ordem de São Francisco tudo que o Senhor promete à Igreja militante e triunfante, como diz Isaías, no capítulo 54: Pobrezinha, batida pela tempestade, sem consolação, eis que eu te reconstruo sobre o diásporo e sobre a safira ponho os teus alicerces. Farei os teus rendilhados de rubi, as tuas portas de pedras preciosas. Todos os teus filhos serão discípulos do Senhor, grande será a prosperidade dos teus filhos, serás fundada sobre a justiça (Is 54, 11-14).
A segunda razão é que o bem-aventurado Francisco quis imitar e seguir e até o fundo o Filho de Deus... E o Senhor quis escolher e chamar os pobres para que não se pudesse atribuir aos nobres e aos poderosos, aos sábios e aos ricos, que que ele estava para realizar...
A terceira razão é porque assim foi revelado em visão ao bem-aventurado Francisco. De fato, conta-se no capítulo III da sua Legenda (LM 3,6): “Um dia, quando estava num lugar solitário chorando com grande amargura os anos passados, sobreveio sobre ele a alegria do Espírito Santo, que o assegurou que tinham sido completamente remitidos todos os seus pecados...” (pp. 141-1433).
A quarta razão é que essa mesma coisa tinha sido revelada ao abade Joaquim, o qual, falando das duas Ordens futuras, disse: “Parece-me que a Ordem mais humilde (minor) recolhe os cachos da terra, porque vai introduzir e incorporar na Igreja clérigos e leigos; a outra Ordem, em vez, arrola sobretudo os clérigos”.
Então, se alguém perguntar: Pois qual é a culpa de Frei Elias ao aceitar os irmãos leigos, se seguia o que tinha sido estabelecido pelo Senhor? Responderei: O que os homens fazem é julgado só pela intenção que têm. De fato, a paixão de Cristo foi uma obra boa, aliás ótima, porque por ela fomos salvos e libertados; mas foi uma coisa ímpia para os judeus que a executaram e depois não quiseram crer em Cristo morto. Do mesmo modo, se Frei Elias acolhia os leigos em grande quantidade com a intenção de poder mais facilmente dominar por meio deles e para que, uma vez aceitos, enchem-se suas mãos levando-lhe dinheiro, devemos dizer com clareza que era justo que,por esses motivos, fosse deposto de ministro geral... (pp. 143-144).