TEXTO ORIGINAL
1 Quodam tempore beatus Franciscus ibat per vallem Spoletanam et ibat cum eo frater Pacificus, qui fuit de Marchia Anconitana et in seculo vocabatur “rex versuum”, nobilis et curialis doctor cantorum.
2 Et hospitati sunt in hospitali leprosorum de Trevio.
3 Et dixit beatus Franciscus fratri Pacifico: “Eamus ad ecclesiam Sancti Petri de Bovario, quia volo manere ibi in hac nocte”.
4 Erat enim illa ecclesia non multum longe ab hospitali et nullus ibi manebat, maxime quia illis temporibus erat destructum castrum Trevii ita, quod in eodem castro vel in villa [nullus] manebat.
5 Et factum est, dum iret illuc beatus Franciscus dixit fratri Pacifico: “Revertere ad hospitale quoniam volo hic manere in hac nocte solus, et cras summo mane ad me revertere”.
6 Cum autem remansisset solus ibi beatus Franciscus et dixisset completorium et alias orationes, voluit quiescere et dormire et non potuit, et spiritus eius cepit timere et sentire diabolicas suggestiones.
7 Et statim surrexit et exivit foras de domo et signavit se dicens: “Ex parte Dei omnipotentis dico vobis, demones, ut quicquid datum fuerit vobis a Domino nostro Iesu Christo ad nocendum corpori meo exerceatis,
8 quoniam sum paratus ad omnia substinenda, quia maior inimicus, quem ego habeo, est corpus meum: unde vindicabitis me de adversario (cfr. Luc 18,3) et inimico meo”.
9 Et statim cessaverunt ille suggestiones.
10 Et reversus est ad locum ubi iacebat et quievit et dormivit (cfr. 1Re 3,2.9) in pace.
11 Mane autem facto (cfr. Ioa 21,4) reversus est ad ipsum frater Pacificus.
12 Beatus Franciscus stabat in oratione coram altari intus in choro; frater Pacificus stabat et expectabat ipsum extra chorum coram crucifixo orans Dominum simul.
13 Et cum cepisset orare frater Pacificus, elevatus est in extasi, sive in corpore sive extra corpus Deus scivit (cfr. 2Cor 12,2.3), et vidit multas sedes in celo (cfr. Apoc 4,1.4), inter quas vidit unam eminentiorem ceteris, gloriosam et fulgentem, et ornatam omni lapide pretioso (cfr. Apoc 21,19);
14 et admirans pulchritudinem eius, cepit cogitare intra se (cfr. Dan 4,16) cuiusmodi sedes esset et cuius.
15 Et statim audivit vocem dicentem sibi (cfr. Act 9,4): “Ista sedes fuit Luciferi, et loco eius sedebit in ea beatus Franciscus”.
16 Et reversus in se, statim exivit foras ad eum beatus Franciscus.
17 Qui statim procidit ad pedes (cfr. Act 10,25) beati Francisci in modum crucis, considerans quasi iam esset in celo, propter visionem quam de ipso viderat, dicens ei: “Pater, indulgeas michi peccata mea et roga Dominum ut michi indulgeat et misereatur mei”.
18 Et extendens manum (cfr. Mat 14,31) beatus Franciscus elevavit ipsum, et cognovit quod aliquid vidisset (cfr. Luc 1,22) in oratione.
19 Videbatur quasi totus immutatus, et loquebatur ad beatum Franciscum non quasi viventem in carnem, sed quasi iam in celo regnantem.
20 Postea quasi a longe, quia nolebat dicere visionem beato Francisco, interrogavit frater Pacificus beatum Franciscum dicens sibi: “Quid credis de te, frater?”.
21 Respondit beatus Franciscus et dixit ei: “Michi videtur esse maior peccator homo quem aliquis qui sit in hoc mundo”.
22 Et statim dictum fuit fratri Pacifico in corde: “In hoc potes cognoscere quoniam vera est visto (cfr. Dan 8,26) quam vidisti;
23 quoniam sicut Lucifer per suam superbiam proiectus fuit ex illa sede, sic et beatus Franciscus per suam humilitatem merebitur exaltari et sedere in ea”.
TEXTO TRADUZIDO
23. Visão de Frei Pacífico
1 Certa vez, o bem-aventurado Francisco ia pelo vale de Espoleto e com ele ia Frei Pacífico, que foi da Marca de Ancona e no século era chamado “rei dos versos”, nobre e cortês mestre dos cânticos.
2 E se hospedaram num hospital de leprosos de Trevi.
3 E o bem-aventurado Francisco disse a Frei Pacífico: “Vamos à igreja de São Pedro de Bovário, porque quero ficar lá esta noite”.
4 A igreja não estava muito longe do hospital e ninguém ficava lá, principalmente porque naquele tempo tinha sido destruído o castelo de Trevi, de modo que ninguém permanecia no castelo ou na vila de Trevi.
5 E acontece que quando o bem-aventurado Francisco ia indo para lá, disse a Frei Pacífico: “Volta para o hospital, porque quero ficar sozinho aqui nesta noite, e volta a mim amanhã bem cedo”.
6 Mas quando o bem-aventurado Francisco lá ficou sozinho e disse o completório e outras orações, quis descansar e dormir mas não pôde, e seu espírito começou a temer e a sentir sugestões diabólicas.
7 Levantou-se imediatamente e saiu fora da casa persignando-se e dizendo: “Da parte de Deus onipotente eu vos digo, demônios, que façais tudo que vos foi permitido por nosso Senhor Jesus Cristo para prejudicar meu corpo,
8 porque estou preparado para aguentar tudo, pois o maior inimigo que eu tenho é o meu corpo: por isso vingar-me-eis de meu adversário e inimigo”.
9 Pararam na mesma hora aquelas sugestões.
10 Ele voltou para o lugar onde se deitava, aquietou-se e dormiu em paz.
11 Quando amanheceu, Frei Pacífico voltou para junto dele.
12 O bem-aventurado Francisco estava em oração diante do altar dentro do coro; Frei Pacífico ficou em pé, esperando-o fora do coro, diante do crucifixo e rezando ao mesmo tempo ao Senhor.
13 E quando Frei Pacífico começou a rezar, foi elevado em êxtase, se no corpo ou fora do corpo deus soube, e viu muitas cadeiras no céu, entre as quais uma mais eminente que as outras, gloriosa e fulgente, e ornada com todas as pedras preciosas.
14 Admirando sua beleza, começou a pensar consigo mesmo o que era essa cadeira e a quem pertencia.
15 E logo ouviu uma voz que lhe dizia: “Esta cadeira foi de Lúcifer, e no seu lugar vai sentar-se nela o bem-aventurado Francisco”.
16 E voltando a si, logo o bem-aventurado Francisco saiu ao seu encontro.
17 Ele se jogou imediatamente aos pés do bem-aventurado Francisco, em forma de cruz, considerando-o como se já estivesse no céu, por causa da visão que tivera sobre ele, e lhe disse: “Pai, perdoa-me os meus pecados e roga ao Senhor que me perdoe e tenha misericórdia de mim”.
18 E, estendendo a mão, o bem-aventurado Francisco o fez levantar-se e soube que tinha visto alguma coisa na oração.
19 Parecia todo mudado, e falava ao bem-aventurado Francisco não como a alguém que vivia na carne mas como a alguém que já reinava no céu.
20 Depois, como de longe, porque não queria contar a visão ao bem-aventurado Francisco, Frei Pacífico interrogou o bem-aventurado Francisco dizendo-lhe: “O que achas de ti mesmo, irmão?”.
21 O bem-aventurado Francisco respondeu e lhe disse: “Eu acho que sou um homem mais pecador que qualquer outro que haja no mundo”.
22 E na mesma hora foi dito a Frei Pacífico no coração: “Nisso tu podes saber que foi verdadeira a visão que tiveste”;
23 porque como Lúcifer foi jogado daquela cadeira por sua soberba, assim o bem-aventurado Francisco, por sua humildade, vai merecer ser exaltado e sentar-se nela”.