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TEXTO ORIGINAL

Legenda Versificata - 16

XVI- Digressio quedam de pugna spirituali. 

Non tibi displiceat, lector, digressio talis. 
Tres i[n]stant hostes homini: demon, caro, mundus. 
Spiritus aggreditur, blanditur gloria mundi, 
Continuatque suos motus petulantia carnis. 
Demon ut superet hominem, cito subruat ipsum, 
Carni se copulat, in ea sua commovet arma; 
Ut caro pars hominis veluti vicinior hostis 
Surgat in oppositum, subvertere nobiliorem 
Partem contendat; ut homo sic dimi[di]atus 
In se bella videns, pugnans in corpore mortis, 
Pugne subcu[m]bat, vincatque domesticus hostis. 
Interior desudat homo sic vincere carnem, 
Quod vincens castiget eam; contendit in ipsa, 
Fomite compresso cecaque libidine pulsa, 
Quod caro se subdat, dominetur spiritus; et sic 
Bello transacto, votiva pace secuta, 
Fortius in mundum surgat, mundique tyrannum 
Prosternat citius, quasi liber et exoneratus. 
Si carnis vis pace frui, sub lege modesti 
Constituas illam, sibi tolle superflua; nunquam 
Indulgere velis, ne forte recalcitret: illi 
Parcendo, ledis; parcis ledendo. Quid ergo? 
Seviat in ipsam, non parcat spiritus; illa 
Non compressa furit, servit collisa. Voluptas 
Est inimica sibi, dampnosa licentia. Queris 
Ut salves? cedas; si diligis, esto molestus. 
Siste vagam, lentam stimula, religaque furentem. 
Sanat corporeas pestes afflictio carnis: 
Sepe malum fit cura mali, morboque medetur 
Sectio, demulcet et viscera potus amarus. 
Motibus extinctis vel rectius extenuatis 
Infecte carnis, repetat mens interiora, 
Se circumspiciat, sibi curas subtrahat omnes, 
Intima perlustret; et si quid in exteriorum 
Discursu movit aut, i[n]stigante maligno, 
Promovit turpe, deducat id ante tribunal 
Cordis, discutiat, accuset, dampnet et illud 
Abstergat gemitu, lacrimis, suspiret et oret. 
Nam lacrime, gemitus, fervens oratio, cordis 
Interiora lavant, fantasmata cuncta repellunt, 
Nubila depellunt mentis faciemque serenant. 
Hinc ad mortiferas pestes et turpia monstra 
Stans vigil et docta pugnandi celitus artem, 
Clara suum tenplum disponit: in interiori 
Mensa thus adolet, dum contemplatur et orat. 
Cordis ibi primos motus tenuesque favillas 
Suffocat, extinguit lacrimarum flumine. Mentem 
Purificans, eius oculos defigit in illud 
Suppremum summumque bonum, speculatio cuius 
Mentem suspendit, alienat et innovat; ut sic, 
Sensibus obtusis, celestia mentis acumen 
In Verbo videat, in quo sibi conscia mens fit, 
Se videt adque suas maculas circumspicit omnes. 
Cernit in hoc speculo quod sit sine sorde creata, 
Quodque sit ipsa sui genitrix actrixque reatus; 
A se sit vitium, de se sit prava voluntas, 
Et meritum non salvet eam, sed gratia velle 
Preveniens hominis, consumans adque coronans; 
A se defectus, et sufficientia soli 
Sit referenda Deo (cfr. 2Cor 3,5). Dum mens considerat ista,
Non tumet ex merito, non ex virtute superbit. 
Hiis ita dispositis, prorumpit in exteriora. 
“Non missura cutem, nisi plena cruoris, yrudo” 
Indignata furit, animalia feda trucidat, 
Illecebrosa cremat, terit incentiva molesta; 
Sic dum se macerat, dum carnis sordida mactat, 
In sua salvificum convertens membra flagellum, 
Insita nature cedunt, infusa triumphant. 
Dic michi, te queso, facit hoc industria Clare? 
Ut reor, hoc potius operatur Spiritus ille, 
Est cuius virtus inmensa, potentia summa, 
Dura liquefaciens, cum vult, et mollia durans.

TEXTO TRADUZIDO

Legenda Versificada - 16

XVI – Uma digressão sobre a luta espiritual.

Que não te desagrade, ó leitor, esta digressão. Três são os inimigos do homem: o demônio, a carne, o mundo. O espírito agride, a glória do mundo agrada, a petulância da carne está sempre em movimento. Para superar o homem, o demônio solapa-o depressa, une-se à carne, agita nela as suas armas. Para que a carne, parte do homem que, como um inimigo mais próximo, levante-se contra ele, lute para subverter a parte mais nobre; para que o homem, assim dividido ao meio, vendo a guerra dentro dele, lutando num corpo de morte, sucumba na batalha, deixando que vença o inimigo caseiro. 
Assim o homem interior sua para vencer a carne, para que, vencendo, a castigue. Luta nela, reprimindo o seu fogo e expulsando a cega libido, para que a carne se submeta, e o espírito domine. E assim, acabada a guerra, sobrevindo a desejada paz, levante-se mais fortemente no mundo, derrube mais rapidamente o tirano do mundo, ficando como que livre e desobrigado. 
Se queres gozar a paz da carne, coloca-a sob a lei da modéstia, tira-lhe o supérfluo. Não penses em amolecer, para que ela não se rebele. Se a poupas, te perdes; é ferindo que poupas. E então? Que o espírito seja duro com ela, não a poupe. Se não for deprimida, ela enlouquece; se for batida, serve. 
O prazer é inimigo de si mesmo. A licenciosidade é um dano. Queres te salvar? Tens que ceder. Se tens amor, que sejas molesto. Se ela andar errante, fá-la parar; se for lenta, espicaça-a; se se enfurecer, amarra-a. 
As pestes do corpo curam-se afligindo a carne: muitas vezes o mal torna-se a cura do mal, cuida-se da doença cortando, é uma bebida amarga que alivia as vísceras. 
Quando os movimentos da carne pecadora forem extintos, ou devidamente extenuados, que a mente volte para as coisas interiores, torne-se circunspecta, livre-se de todos os cuidados. 
Perlustre a intimidade. E se houver alguma coisa que, no discurso das coisas exteriores, move ou promove o que é torpe, leva-a ao tribunal do coração, discute, acusa, condena, e que o limpe com gemidos e lágrimas, orando e suspirando. Pois as lágrimas, os gemidos, a oração fervorosa, lavam o coração por dentro, espantam todos os fantasmas, afastam as nuvens da mente e tornam o rosto sereno. 
Por isso, permanecendo em vigília diante das pestes mortíferas e dos monstros torpes, tendo aprendido do céu a arte de lutar, Clara preparou o seu templo: perfumou a mesa de incenso, contemplando e orando. Sufocou aí os primeiros movimentos e as fracas labaredas do coração, extinguindo-os com o rio de lágrimas. Purificando a mente, fixou os olhos naquele supremo e sumo Bem cuja especulação põe a mente em suspenso, aliena e renova; para que assim, quebrados os sentidos, a mente afiada enxergue as coisas celestes no Verbo, em quem a mente torna-se consciente de si mesma, enxerga-se, dá-se conta de todas as suas manchas. Enxerga nesse espelho que foi criada sem sujeiras e que é mãe de si mesma e autora de sua culpa. Que o vício lhe pertence, que dela nasce a má vontade e que o mérito não a salva mas precisa da graça para prevenir, consumar e coroar a pessoa. A ela cabem os defeitos, a suficiência só pode ser atribuída a Deus (cfr. 2Cor 3,5). 
Enquanto a mente considera essas coisas, não se incha pelo mérito, não se ensoberbece pela virtude. Quando dispõe as coisas dessa forma, irrompe para fora. 
“A sanguessuga não iria deixar a pele a não ser cheia de sangue”. Enfurece-se indignada, trucida os feios animais, queima as coisas enganosas, esmaga as tentações molestas. Assim, enquanto se macerava, enquanto matava o que era sórdido na carne, voltando para seus membros o chicote salvador, as coisas próprias da natureza cediam, e as infusas triunfavam. 
Diz-me, pergunto, será que Clara fazia isso de propósito? Prefiro dizer que quem agia era aquele espírito cuja verdade imensa, cujo poder sumo derrete as coisas duras quando quer, e endurece as moles.