Página de Estudos das Fontes Pesquisadas

  • Fontes Clarianas
  • Fontes Históricas
  • Legendas
  • Legenda Versificada

TEXTO ORIGINAL

Legenda Versificata - 27

XXVII - Memoriale quoddam Dominice passionis. 

Accidit, et recitare iuvat, quod tempore quodam 
Advenit Cene Domini revolutio sacra; 
Noxque propinquabat, que proditor ille Magistrum 
Vendere non timuit, presumpsit pacis alumpnum 
Corruptor pacis sub pacis prodere signo, 
Et tenebris dampnare diem, caligine lucem 
Perdere, mortali contractu vendere visam. 
Iamque pavor mortis instabat et ille cruentus 
Sudor agonie, que Patrem Filius orat 
Humanum sapiens calicis (cfr. Luc 22,42-44) quod transeat [h]austus. 
Secretum celle petiit, se virgo reclusit. 
Orans prosequitur orantem, mestaque mestum; 
Captio crudelis, illusio turpis, amara 
Que tulit ille pius et mansuetissimus agnus, 
Virginis in mentem subeunt, vehementius herent. 
Singula dum recolit, dum mens se cogit ad ista, 
Per totam noctem pia virgo diemque sequentem 
905 Extra se rapitur, sua lumina cogit in unum. 
Affectus vigilant anime, faciuntque silere 
Corporis offitia; peragit mens otia sancta, 
Dum sic fixa manet, dum sic immobilis extat. 
Sepe redit famula matrem visura, videtque 
Immotam stare; non in diversa feru[n]tur 
Vultus. Cumque dies Veneris transacta fuisset, 
Noxque sequeretur que prevenit illa beata 
Sabbata, devota repetit tunc filia matrem, 
Accendit lumen, memorat per signa statutum 
Id, quo vir sanctus dudum preceperat illi, 
Quod nulla sibi virgo die postponeret esum. 
Evigilat mater, quasi tunc alinude rediret: 
‘Non opus est’ inquit ‘candela; nonne dies est?’ 
Respondet famula domine: ‘Nox transiit illa, 
Succedensque dies abiit; nox altera venit’. 
Tunc sibi mater ait: ‘Benedictus sit sopor iste, 
Quem nimis optavi; tandem votiva recepi!’ 
Ne tamen hinc fa(u)stus surgat, vel laude tumescat 
Humana, vetuit mater dixitque puelle: 
‘Hoc dum corpus ago, caveas exponere cuiquam’. 
Qui legis hec, oro, perfectio virginis huius, 
Quanta sit inspicias, quem purus spiritus eius, 
Liber et exutus motus et pondera carnis! 
Stat mens confixa Christo, corpusque soporat. 
Nec sopor est carnis: non hunc natura soporem 
Infert, set placidam dat ei mens ipsa quietem. 
Sic conscissus erat paries, sic extenuata 
Carnis grossities, lasciva tota sepulta, 
Motus allisi, sic mortificata voluptas, 
Sic domitus fomes, quod non obstacula gressus 
Impediunt anime, non obsistentia tardat 
Vota, nec affectus reprimit studiisve repugnat. 
Quam placidus sompnus! quem contenplatio grata! 
Quam dulcis gustus et amena refectio mentis! 
Quam felix potus, quo sic fit debria virgo 
Corpore, quod mente sit sobria; sic aliena 
Mundo, quod celo sit cognita, proxima Sponso. 
Corpore dissolvi cupiebat Apostolus, et sic 
Christo (cfr. Phip 1,23) coniungi; plus hic, quod carne retenta
Fit, licet ad tenpus, hec virgo domestica Christo. 
Cor vigilat, cor summa petit, caro prava quiescit. 
Obsequitur corpus, animi se legibus uti 
Gaudet, obedire satagit, servire laborat. 
Est animus rector; regitur caro, servit, obedit. 
Non ibi conflictus, non lix seu pugna duorum; 
Est unum velle, par votum, parque voluntas. 
Que dudum fuerat effrenis eratque molesta, 
Doctrinata subest, tractabilis adque pudica. 
Imperat hic, facit hec; hic (decidit), illa movetur; 
Sistit eam pro velle suo, (preiudicat) illi: 
Spiritus auriga stat et it quocumque iubetur. 
Que tulit invita, subit ultro; levia fiunt 
Aspera que fuerunt: sic fit portabile totum 
Quod fuit ante grave, sic et dulcescit amarum.

TEXTO TRADUZIDO

Legenda Versificada - 27

XXVII – Uma recordação da paixão do Senhor

Aconteceu, e é bom contar, que certa vez chegou a comemoração sagrada da ceia do Senhor. Aproximava-se a noite em que aquele traidor não temeu vender o mestre, o discípulo da paz teve a presunção de ser corruptor da paz, dando um sinal de paz. E de estragar o dia com as trevas, de perder a luz na escuridão, de vender a vida por um contrato mortal. 
Já apertava o pavor da morte e aquele suor de sangue da agonia, em que o Filho orava ao pai provando do cálice (cfr. Lc 22,42-44) cuja bebida quisera evitar. A virgem buscou o segredo da cela e se fechou. Orando, acompanhava o orante; e triste, o triste. A prisão cruel, o torpe engano, as coisas amargas que aquele piedoso e mansíssimo cordeiro teve que assumir vieram à mente da virgem e lá se agarraram com força. Enquanto recordava cada coisa, enquanto a isso se obrigava a mente, a virgem ficou arrebatada de si durante toda a noite e o dia seguinte, com os olhos voltados só para isso. Os afetos da mente estavam vigilantes e faziam calar-se as atividades do corpo. A mente continuava nesse ócio santo, enquanto ela ficava assim fixa, permanecendo imóvel. 
A serva voltou diversas vezes para ver a madre e percebeu que ela nem se movera. O rosto não se voltava para outras coisas. Como tinha passado a sexta-feira e chegava a noite que precede o sábado santo, a filha devota voltou à madre, acendeu a luz e lembrou, por sinais, aquilo que o santo homem tinha estabelecido para ela: que a virgem não passasse nenhum dia sem comer. 
A madre acordou, como se viesse de longe, e disse: “Não precisas de vela, não é dia ainda?”. A serva respondeu à senhora: “Já passou aquela noite, e o dia seguinte também foi. Chegou outra noite”. 
Então, disse a madre a si mesma: “Bendito seja este sono, que eu tanto desejei. Finalmente, recebi o que queria”. 
Mas, para que daí não adviesse alguma grandeza, ou ficasse inchada pelo louvor humano, a madre proibiu, e disse à moça: “Tome o cuidado de não contar isso para ninguém enquanto eu viver neste corpo”. 
A ti, que lês isto, peço que percebas como foi grande a perfeição desta virgem, como foi puro seu espírito, livre e despido dos movimentos e dos pesos da carne! Ficou com a mente fixa em Cristo e o corpo a dormir. Não foi um sono da carne: a natureza não dá esse sono. Foi a própria mente que lhe deu o plácido repouso. 
Mas a parede se rompera. E assim, cansada toda grosseria da carne, sepultada toda lascívia, quebrado o movimento, tão mortificado o desejo, domado assim o impulso, sem obstáculos para impedir o caminhar da alma, os votos não ficam retardados pela resistência nem se reprime o afeto ou se repugna aos esforços. 
Que sono plácido! Que grata contemplação! Que sabor mais doce! Que agradável refeição da mente! Que feliz bebida, capaz de inebriar a virgem no corpo deixando-a sóbria na mente! Assim, alheia ao mundo, conhecendo o que é do céu, próxima ao Esposo! 
O apóstolo queria ser dissolvido no corpo (cfr. Fl 1,23) para assim se unir a Cristo. Aqui houve mais, porque, mantendo a carne, esta virgem tornou-se, ainda que por um tempo, familiar de Cristo. 
O coração vigia, o coração busca as coisas mais elevadas; a carne acalma o que não é bom. O corpo obedece; alegra-se por seguir as leis do ânimo, trata de obedecer. Trabalha para servir. 
É o ânimo que dirige. A carne é dirigida, serve, obedece. Aí não há conflito, nem lide, nem luta dos dois. Há um só querer, o mesmo desejo, a mesma vontade. Aquela que, quando estava desenfreada, era molesta, doutrinada submeteu-se, tratável e pudica. 
Este manda; aquela faz. Este decide; ela se move. Para-a quando quer; decide antes. O espírito está como o cocheiro e vai para onde manda. O que recebe sem querer, faz de boa vontade. Tornam-se leves as coisas que eram ásperas. Assim dá para carregar o que antes era pesado. Assim, até o amargo fica doce.